O
CIRCO
O circo é ambíguo, é a própria
imagem da contradição. As luzes, a euforia rodeando a lona e a excitação no
picadeiro é apenas uma ilusão da alegria. Pelo menos foi assim durante um bom
tempo.
A história do circo não é das mais
bonitas, remonta a tempos muito antigos, tempos em que intolerância,
preconceito e discriminação não eram considerados defeitos da sociedade.
Naqueles tempos (principalmente na Idade Média), o circo foi o refúgio dos
marginalizados socialmente, os que, de certa maneira, eram vistos como
aberração pela sociedade.
O exótico era a atração tema do
circo, por isso figuras estranhas, diferentes do resto da sociedade faziam
parte do elenco. Figuras como o anão, a mulher extremamente gorda ou barbada, o
homem de força extraordinária, o defeituoso, o feio e até animais selvagens de
lugares distantes. Tudo isso acabava se “escondendo” no circo.
Havia outros tipos que também faziam
parte do circo. Tipos que possuíam habilidades extraordinárias, e que, depois com a vinda dos tempos modernos, essas
habilidades não foram mais concebidas como arte. No mundo moderno e culto do
liberalismo, dos filósofos franceses, do mercantilismo, de que serviria um
atirador de facas nas tramitações mercantilistas? Que utilidade teria um
equilibrista nas indústrias? Para que perder tempo com a amazona, que executava
ações arriscadas sobre um cavalo em movimento, se a urgência era ganhar
dinheiro? Aliás, como ganhar muito dinheiro sendo um engolidor de fogo? E como
comparar uma escultura, uma pintura, por
exemplo, com dois jovens trapezistas e ainda classificá-los como Arte?
Veio o século XX e todo seu
desenvolvimento industrial, social e bélico. E o circo sempre à margem da
sociedade. Por outro lado, neste momento, o circo foi o lugar ideal para quem
sonhava com o mundo dos espetáculos, principalmente a quem não tinha acesso à
arte e aos teatros elegantes e chiques das grandes cidades. Então parece que
nesse ponto o circo ganhou até que um certo respeito, pois passou a ser visto
como entretenimento aceitável pela sociedade, embora ainda contivesse algumas
esquisitices. Isso foi lá pelos anos 30, 40 até mais ou menos metade da década
de 60, o circo tinha força principalmente nas cidades interioranas. Apesar
disso, o que tinha de famílias tradicionais com medo de perder os filhos para o
circo, principalmente os mais rebeldes. Basta lembrarmos da história de Dercy
Gonçalves. O circo era o acesso a quem sonhava em ser artista.
Bom, aí veio a tecnologia. Desde os
anos 70, 80 mais ou menos, o circo foi perdendo a força, sua popularidade e
então foi até colocado como politicamente incorreto. Principalmente quanto às
atrações que envolviam animais. Os ativistas do meio ambiente, ou de proteção
animal, caíram em cima dos circos que usavam animais em seus espetáculos;
chegavam a fazer manifestações para boicotar a entrada e permanência desses espetáculos nas cidades. Algumas companhias atenderam às novas exigências, outras se
adaptaram às mudanças e às leis. Em
tempos de politicamente correto, anão não pode ser considerado como aberração,
há os direitos humanos para serem respeitados;
e obesidade não é pra ser exposta na vitrine, porque é doença.
Hoje o circo é espaço de pessoas que
demonstram talentos, habilidades excepcionais, é lugar de realização de proezas
de deixar a platéia de boca aberta, é espaço de arte também. É só assistir a um
espetáculo de Cirque Du Soleil pra entender.
A sociedade hoje é exigente e sempre
tem um grupo pra vigiar e denunciar os abusos. Por isso o circo deixou de ser o
palco das monstruosidades.
E essa vontade insana da sociedade
de ver o monstruoso, de contemplar a aberração passou? Não. Essa vontade é
saciada em um outro tipo de picadeiro: a televisão. Mas isso é assunto pra
outra ocasião.
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