quinta-feira, 25 de abril de 2013

O Circo


O CIRCO
            O circo é ambíguo, é a própria imagem da contradição. As luzes, a euforia rodeando a lona e a excitação no picadeiro é apenas uma ilusão da alegria. Pelo menos foi assim durante um bom tempo.
            A história do circo não é das mais bonitas, remonta a tempos muito antigos, tempos em que intolerância, preconceito e discriminação não eram considerados defeitos da sociedade. Naqueles tempos (principalmente na Idade Média), o circo foi o refúgio dos marginalizados socialmente, os que, de certa maneira, eram vistos como aberração pela sociedade.
            O exótico era a atração tema do circo, por isso figuras estranhas, diferentes do resto da sociedade faziam parte do elenco. Figuras como o anão, a mulher extremamente gorda ou barbada, o homem de força extraordinária, o defeituoso, o feio e até animais selvagens de lugares distantes. Tudo isso acabava se “escondendo” no circo.
            Havia outros tipos que também faziam parte do circo. Tipos que possuíam habilidades extraordinárias, e  que, depois com a vinda dos tempos modernos, essas habilidades não foram mais concebidas como arte. No mundo moderno e culto do liberalismo, dos filósofos franceses, do mercantilismo, de que serviria um atirador de facas nas tramitações mercantilistas? Que utilidade teria um equilibrista nas indústrias? Para que perder tempo com a amazona, que executava ações arriscadas sobre um cavalo em movimento, se a urgência era ganhar dinheiro? Aliás, como ganhar muito dinheiro sendo um engolidor de fogo? E como comparar  uma escultura, uma pintura, por exemplo, com dois jovens trapezistas e ainda classificá-los como Arte?
            Veio o século XX e todo seu desenvolvimento industrial, social e bélico. E o circo sempre à margem da sociedade. Por outro lado, neste momento, o circo foi o lugar ideal para quem sonhava com o mundo dos espetáculos, principalmente a quem não tinha acesso à arte e aos teatros elegantes e chiques das grandes cidades. Então parece que nesse ponto o circo ganhou até que um certo respeito, pois passou a ser visto como entretenimento aceitável pela sociedade, embora ainda contivesse algumas esquisitices. Isso foi lá pelos anos 30, 40 até mais ou menos metade da década de 60, o circo tinha força principalmente nas cidades interioranas. Apesar disso, o que tinha de famílias tradicionais com medo de perder os filhos para o circo, principalmente os mais rebeldes. Basta lembrarmos da história de Dercy Gonçalves. O circo era o acesso a quem sonhava em ser artista.
            Bom, aí veio a tecnologia. Desde os anos 70, 80 mais ou menos, o circo foi perdendo a força, sua popularidade e então foi até colocado como politicamente incorreto. Principalmente quanto às atrações que envolviam animais. Os ativistas do meio ambiente, ou de proteção animal, caíram em cima dos circos que usavam animais em seus espetáculos; chegavam a fazer manifestações para boicotar a entrada e permanência desses espetáculos nas cidades. Algumas companhias atenderam às novas exigências, outras se adaptaram às mudanças e às leis.      Em tempos de politicamente correto, anão não pode ser considerado como aberração, há os direitos humanos para serem respeitados;  e obesidade não é pra ser exposta na vitrine, porque é doença.
            Hoje o circo é espaço de pessoas que demonstram talentos, habilidades excepcionais, é lugar de realização de proezas de deixar a platéia de boca aberta, é espaço de arte também. É só assistir a um espetáculo de Cirque Du Soleil pra entender.
            A sociedade hoje é exigente e sempre tem um grupo pra vigiar e denunciar os abusos. Por isso o circo deixou de ser o palco das monstruosidades.
            E essa vontade insana da sociedade de ver o monstruoso, de contemplar a aberração passou? Não. Essa vontade é saciada em um outro tipo de picadeiro: a televisão. Mas isso é assunto pra outra ocasião.